quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Professora sim, tia não.

Por que eu prefiro que os alunos me chamem de professora ao invés de tia? Deixo o Paulo Freire falar:







A tentativa de reduzir a professora à condição de tia é uma 'inocente' armadilha ideológica em que, tentando-se dar a ilusão de adocicar a vida da professora, o que se tenta é amaciar a sua capacidade de luta ou entretê-la no exercício de tarefas fundamentais.

Paulo Freire deixa claro: você tem todo o direito de querer ser chamada de tia, mas não pode desconhecer as implicações escondidas nas manhas ideológicas que envolvem a redução da condição de professora à tia.

Como surgiu esse modismo:

Maria Ione Alexandre Coutinho escreveu sobre Eliana Novaes, que em seu livro ‘Professora Primária: Mestre ou tia’ atribui a origem do tratamento professora/tia, na Educação Pré-escolar, à perspectiva da família.  Segundo essa autora, as mães demonstram sentimento de culpa de abdicar a guarda dos filhos para a escola, pelo motivo de trabalharem fora ou simplesmente porque a mulher moderna deve descartar as tarefas domésticas; no caso, o “cuidado” dos filhos.

Essa autora comenta sobre a influência das mães no tratamento professora/tia na instituição educativa. As mães, muitas vezes, sentem-se culpadas por entregar à escola a guarda dos seus filhos, pois trazem consigo a imagem da professora rígida e áspera do ensino tradicional. Assim, dissimulam que estão entregando seus filhos aos “cuidados” da “tia”, pessoa carinhosa e amiga das crianças. Dessa forma, a mãe se sente aliviada.

Tal tratamento é desaconselhável, sendo prejudicial ao desenvolvimento socioafetivo da criança. Novaes afirma que esse costume dificulta a identificação da criança na família em relação ao conhecimento de parentesco, prejudicando a formação do seu autoconceito, em que o grupo familiar ocupa lugar principal, enquanto que, na escola, tratando a professora de tia, é estimulada uma atitude regressiva de apego às pessoas por laços afetivos. Esse modismo na instituição escolar favorece o anonimato da professora, que perde sua identidade. Assim, será apenas uma “tia”. Portanto, os alunos não se dirigem a ela pelo seu próprio nome.

Mas onde fica o carinho pelos alunos?

Para Paulo Freire, é possível ser tia sem amor aos sobrinhos, sem gostar de ser tia, mas não é possível ser professora sem amor aos alunos, mesmo que amar só não baste, sem gostar do que se faz. É mais fácil, sendo professora, dizer que não gosta de ensinar de que, sendo tia, dizer que não gosta de ser tia. Reduzir a professora à tia joga um pouco com esse temor embutido — o de a tia recusar ser tia.

Paulo Freire destaca que o ato de ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa militância, certa especificidade no seu cumprimento, enquanto ser tia é viver uma relação de parentesco. Ser professora implica assumir uma profissão, enquanto não se é tia por profissão.

Esse pensador afirma, ainda, que a aceitação do tratamento de tia pela professora pode ser uma dissimulação de sua possível desvalorização ou incompetência profissional, o que a leva a assumir esse falso parentesco. Nesse sentido, as autoras Eliana Novaes e Guiomar Melo consideram que o fato de a professora ser mulher contribui, muitas vezes, para que ela não adote uma postura profissional, misturando seu saber técnico da esfera pública com o saber doméstico de vida privada, percebendo-se em situações da docência como mãe ou tia dos seus alunos.

A boa tia:

A identificação da professora com a figura da tia acarreta desvalorização profissional, retirando o compromisso e a responsabilidade política da sua formação permanente. No sistema educacional brasileiro, essa identificação é enfatizada, principalmente, na rede privada. É como uma proclamação às professoras: boas “tias” não fazem greve, para não prejudicar o aprendizado dos seus alunos. Nessa ideologia, a manifestação da professora para lutar por seus direitos é um desamor e uma irresponsabilidade da “tia” por seus alunos. Essa concepção permanece nas famílias que têm filhos na rede privada ou no ensino público, dificultando que os educadores se assumam profissionalmente.


Profissionalismo:

Ser professora ou professor da Educação Infantil ou qualquer outro nível exige formação inicial e continuada e muita dedicação para trabalhar nas condições precárias que a escola pública oferece. Portanto, considerar a professora ou professor como “tia” ou “tio” é negar sua identidade profissional.

Este texto é uma compilação de ideias apresentada por diversos autores. As referências estão nesses sites:




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