Por que
eu prefiro que os alunos me chamem de professora ao invés de tia? Deixo o Paulo
Freire falar:
A tentativa de reduzir a
professora à condição de tia é uma 'inocente' armadilha ideológica em que,
tentando-se dar a ilusão de adocicar a vida da professora, o que se tenta é
amaciar a sua capacidade de luta ou entretê-la no exercício de tarefas fundamentais.
Paulo
Freire deixa claro: você tem todo o direito de querer ser chamada de tia, mas
não pode desconhecer as implicações escondidas nas manhas ideológicas que
envolvem a redução da condição de professora à tia.
Como
surgiu esse modismo:
Maria Ione Alexandre Coutinho escreveu sobre Eliana Novaes, que
em seu livro ‘Professora Primária: Mestre ou tia’ atribui a origem do
tratamento professora/tia, na Educação Pré-escolar, à perspectiva da família.
Segundo essa autora, as mães demonstram sentimento de culpa de abdicar a
guarda dos filhos para a escola, pelo motivo de trabalharem fora ou
simplesmente porque a mulher moderna deve descartar as tarefas domésticas; no
caso, o “cuidado” dos filhos.
Essa autora comenta sobre a influência das mães no tratamento
professora/tia na instituição educativa. As mães, muitas vezes, sentem-se
culpadas por entregar à escola a guarda dos seus filhos, pois trazem consigo a
imagem da professora rígida e áspera do ensino tradicional. Assim, dissimulam
que estão entregando seus filhos aos “cuidados” da “tia”, pessoa carinhosa e
amiga das crianças. Dessa forma, a mãe se sente aliviada.
Tal tratamento é desaconselhável, sendo prejudicial ao desenvolvimento socioafetivo da criança. Novaes afirma que esse costume dificulta a identificação da criança na família em relação ao conhecimento de parentesco, prejudicando a formação do seu autoconceito, em que o grupo familiar ocupa lugar principal, enquanto que, na escola, tratando a professora de tia, é estimulada uma atitude regressiva de apego às pessoas por laços afetivos. Esse modismo na instituição escolar favorece o anonimato da professora, que perde sua identidade. Assim, será apenas uma “tia”. Portanto, os alunos não se dirigem a ela pelo seu próprio nome.
Mas onde
fica o carinho pelos alunos?
Para
Paulo Freire, é possível ser tia sem amor aos sobrinhos, sem gostar de ser tia,
mas não é possível ser professora sem amor aos alunos, mesmo que amar só não
baste, sem gostar do que se faz. É mais fácil, sendo professora, dizer que não
gosta de ensinar de que, sendo tia, dizer que não gosta de ser tia. Reduzir a
professora à tia joga um pouco com esse temor embutido — o de a tia recusar ser
tia.
Paulo
Freire destaca que o ato de ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa
militância, certa especificidade no seu cumprimento, enquanto ser tia é viver
uma relação de parentesco. Ser professora implica assumir uma profissão,
enquanto não se é tia por profissão.
Esse
pensador afirma, ainda, que a aceitação do tratamento de tia pela professora pode
ser uma dissimulação de sua possível desvalorização ou incompetência
profissional, o que a leva a assumir esse falso parentesco. Nesse sentido, as
autoras Eliana Novaes e Guiomar Melo consideram que o fato de a professora ser
mulher contribui, muitas vezes, para que ela não adote uma postura
profissional, misturando seu saber técnico da esfera pública com o saber
doméstico de vida privada, percebendo-se em situações da docência como mãe ou
tia dos seus alunos.
A boa tia:
A
identificação da professora com a figura da tia acarreta desvalorização
profissional, retirando o compromisso e a responsabilidade política da sua
formação permanente. No sistema educacional brasileiro, essa identificação é
enfatizada, principalmente, na rede privada. É como uma proclamação às
professoras: boas “tias” não fazem greve, para não prejudicar o aprendizado dos
seus alunos. Nessa ideologia, a manifestação da professora para lutar por seus
direitos é um desamor e uma irresponsabilidade da “tia” por seus alunos. Essa
concepção permanece nas famílias que têm filhos na rede privada ou no ensino
público, dificultando que os educadores se assumam profissionalmente.
Profissionalismo:
Ser
professora ou professor da Educação Infantil ou qualquer outro nível exige
formação inicial e continuada e muita dedicação para trabalhar nas condições
precárias que a escola pública oferece. Portanto, considerar a professora ou
professor como “tia” ou “tio” é negar sua identidade profissional.
Este
texto é uma compilação de ideias apresentada por diversos autores. As referências estão nesses sites:
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